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Estrangeira

  • Foto do escritor: Adrilena Aguiar
    Adrilena Aguiar
  • 29 de nov. de 2022
  • 4 min de leitura

Atualizado: 10 de out. de 2024

Eu sempre me senti uma estrangeira.

Desde pequena a sensação de não fazer parte a lugar nenhum me acompanha. 

Como se não pertencesse a nenhuma turma, a nenhuma família, a nenhum grupo. Circulo, transito tranquilamente por várias tribos, me permeando e sendo permeada, mas nunca sendo parte. Carrego comigo as partes de onde convivo… sim, convivo, mas não vivo. Não inteiramente. Partes de mim se identificam e partes permanecem estranhas. 


Por muito tempo fui até estrangeira em mim mesma. Me reconhecendo e me desconhecendo, me juntando sem me misturar. Como se até o espelho não me refletisse. Eu amo e não amo, odeio e não odeio, quero e não quero, sinto e não sinto. É um sentimento que é cultivado dentro de um vazio que nunca será preenchido, como se fosse um vazio necessário para me possibilitar outros estranhamentos e me dar mobilidade para atravessar o que me é familiar, mesmo que não o seja. É uma falta de encaixe, com arestas móveis, impossíveis de serem contidas. 


Sinto a solidão dos estrangeiros em terras estranhas e sofro com ela, mas dela não me liberto, porque nela sou parte e nunca a parte, estrangeira. 


Falo uma língua que não entendem. Enxergo as coisas como ninguém enxerga. Penso o que ninguém pensa.

 

Vivo como se estivesse de fora assistindo um filme. Muitas vezes sinto que sou uma farsa de mim mesma. Me observo de fora, sei quem sou e não me reconheço. Intimidade, só comigo mesma. Penso demais, escrevo não o suficiente, expresso de maneira errada, mas o que penso??? Muita coisa. Só a mim confesso.


Sinto uma força imensa dentro de mim e um impulso quase impossível de ser contido. Sinto que a qualquer segundo o meu eu familiar pode transbordar e afogar quem está ao meu lado em perplexidade. Aceito, reconheço e acolho todo mal que há em mim. Poucas fazem isso. Mas eu não. Não tenho medo daquilo que me habita, tenho medo de onde habito. Tenho medo de me encaixar e depois perder minha forma. Tenho medo de pertencer e perder a liberdade de vagar. Tenho medo de conhecer e perder a capacidade de me surpreender. Tenho medo de falar e ser calada por aquilo que falo. A minha voz inaudível grita mais alto e tem mais força dentro de mim. No espaço infinito do meu vazio interior. Onde limites não são concebidos. Como conciliar? 


Às vezes acho que ninguém me enxerga.


Tem horas que olho minha vida como quem assiste um filme de relance. Existe familiaridade, mas não existe coesão. Existe um estranhamento de como vim parar nesse enredo e em qual história eu realmente me encaixaria. Queria não ter os parâmetros que me foram apresentados para que pudesse deixar fluir do meu modo, mas esse meu modo não se desvela pra mim nem sob a capa de uma fantasia. Tem sempre algo de censura que me impede de simplesmente ser. Não me é permitido, nunca me foi permitido, acho que nem eu sei se posso me permitir. Queria o poder da experimentação com a garantia de que nada de terrível me acontecesse. O que seria esse terrível? A fome, a pobreza, o estar presa numa cama sem saúde. Estar só, me sentindo só… talvez o mais terrível mesmo seja uma angústia insuportável instalada no meu viver. Dela não há fugas possíveis, não há alimento nem remédio. 


É estranho viver nessa tentativa sem fim de tentar me encaixar e tentar me convencer desse encaixe. No fundo sei que o estranhamento está presente. Como se meu inconsciente me dissesse secretamente que ainda não era dessa vez, que não era assim. 


Me custou a metade da vida me livrar dos meus cabrestos, agora não sei como me adaptar sem eles.


O que sinto é que tudo me impede de viver a minha vida. Tudo se atravessa na frente dos meus planos. E não sou eu me auto-saboto, não! Simplesmente pra que eu possa fazer fluir o que quero o preço a pagar é muito alto, mexe mais com os outros que comigo, e com isso não sei ainda como conviver. Romper laços que nos machucam pode ser mais dolorido que mantê-los e as marcas que ficarão serão tão profundas que é difícil vislumbrar como cicatrizarão.


É como uma grande teia, um grande sistema paralelo que te segura no lado oposto que se soltou, num movimento cansativo e infrutífero. Para se libertar só se desvencilhando de todos os laços ao mesmo tempo, desmembrando por completo as amarras, desfazendo tudo o que está agregado. Esforço demais…, parece impossível. E o que é possível diante deste cenário é a espera calculada de um por vir. Um treino, um ensaio um arrumar de bagagens de uma vida futura. Um viver sem viver… uma espera do não se sabe o que nem se sabe como. 


Nasci pra ocupar um espaço que não me cabia e pago um preço alto por ter frustrado expectativas estranhas a quem sou, sinto vejo e me porto. Enxergo as coisas sob um outro prisma e isso ao contrário de ser encarado como uma característica minha, é encarado como uma afronta dirigida aos outros de maneira proposital. Não era pra ser, mas acaba sendo… porque algo tem que ser validado…nem que seja pelo viés do contraditório.


Minha língua estrangeira não é entendida por qualquer um. Preciso falar pausadamente, escolher com cuidado as palavras, pensar se serei entendida corretamente, até se serei realmente ouvida. Em momentos de desespero grito, falo em voz alta, gesticulo, numa tentativa desesperada de me fazer entender. Porém não é o idioma. A questão é que falo o que não querem ouvir. Por tudo isso e por nada disso decidi romper e apenas ser. (Por todas essas incoerências e por nenhuma delas)


Adrilena.


 
 
 

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